Gostava de ser qualquer coisa de primeira água. Gosto quando se diz isto de alguém e acredito sempre. Mesmo que ainda não tenha percebido o que quer dizer. Já não gosto tanto se o autor dessa qualquer coisa, a obra de primeira água, comentar ter sido gratificante todo o processo e não sei-quê. Fico arreliada quando ouço dizer “foi muito gratificante”. A obra sabe logo a sopa ou batatas requentadas. Os apresentadores de televisão têm essa mania e maneira de falar. E depois sorriem sempre. Eles não riem, não dobram o riso. Não lhes sai ranho quando arrebatados por um ataque de riso. Eles apenas sorriem, um esboço de graça à boneca de borracha. Esses dizem muitas vezes que “foi gratificante”. As pessoas boazinhas também dizem muito. As tais que simpatizam com toda a gente. Aquelas muito agradáveis. Parecem-me perigosas, essas pessoas. Ninguém consegue ser assim tão querido, o que me leva a concluir que são feitas de afectos falsos. Estou mesmo a ver que o “foi muito gratificante conhecer-te” se transforma numa frase de escárnio mal o outro vira costas. Mas não vai deixar de ser agradável, por uma questão de educação. E aqui há uma fronteira. Nunca sei onde está a melhor terra: se na simpatia hipócrita ou na falta de edução honesta. Eu, porque nisto do trato a terceiros não sou definitivamente de primeira água, nunca sei como me comportar. O melhor é calar-me e pedir para dizerem, por mim, que tenho um problema na fala. Ou então mostro o meu mindinho que é uma coisa que gosto de fazer. Em vez do outro. Um gesto de primeira água. Bruto mas chique de um trago só.